Pare de procurar Deus onde Ele não está
Eram por volta das três horas da madrugada quando um estrondo na rua despertou o sono do velho senhor Santiago. A sua casa era grande e a janela do seu quarto, no segundo piso, ficava posicionada sobre a varanda da entrada principal. As noites sempre costumaram atravessar o seu sono ininterrupto, mas naquela noite, um barulho chato de latas e sacolas acordou aquele senhor.
Santiago se levantou da cama, resmungando, disposto a enxotar, de alguma maneira, os gatos que estavam fazendo barulho no lixo que estava na rua. Ele estava certo de que eram gatos, ou na pior das hipóteses, eram ratos que estavam atrapalhando o seu sono. Fazia muito frio e mesmo assim ele se ergueu, colocou uma roupa quente e foi esfregando as mãos até a janela. De leve e ainda muito sonolento, esfregou seus olhos cansados e puxou a cortina de canto, para observar a rua sem ser percebido.
Para a sua surpresa, não eram gatos ou ratos que estavam fazendo barulho. Era um homem – de olhar abatido, com aspecto doente e tremendo de frio – que estava no lixo procurando algo para comer nas altas horas da noite. Santiago se impressionou com aquela situação. Pensou nos riscos. Meditou, orou e decidiu agir. Buscou sapatos e um cobertor e desceu ao encontro daquele homem.
– Tome. É para você – disse Santiago com sua voz rouca e entre tosses àquele homem.
– Vamos, está muito frio aqui na rua. Você está com fome? Céus, você deve estar faminto. A essa hora da noite não tem nada aberto pelas redondezas. Você mora aqui perto? Pelo visto você não vai para a sua casa há décadas. Venha comigo. Vamos, por aqui… – dizia Santiago apontando para a porta da sua casa.
Aquele homem permanecia mudo. Santigo o levou para dentro, acendeu a lareira e lhe serviu pão quente e vinho.
– Eu costumo todas as noites de inverno vir aqui e sentar nesta cadeira. Acendo a lareira, janto e tomo uma boa taça de vinho. Você gosta de vinho?
O silencio preenchia o diálogo de Santiago com aquele homem que se deliciava com o pão que lhe fora oferecido.
– Você não gosta muito de falar, certo? Você é tímido? Bom, não precisa falar. Eu moro nessa casa há muito tempo. Ela é muito grande para mim. Após você terminar seu jantar, lhe mostrarei o quarto de hóspedes. Você pode ficar aqui esta noite e tomar um belo banho quente e dormir um pouco. Amanhã você segue a sua vida. O que acha?
A conversa não ganhou vida. O homem permanecia mudo, mas seu olhar demonstrava gratidão. De repente, ele que estava no lixo, agora estava comendo pão quente, bebendo vinho e iria dormir num local limpo e aconchegante.
Após aquela noite, Santiago fez uma proposta para aquele homem. Ele lhe ofereceu sua casa, suas ferramentas, sua comida e tudo o mais que lhe pertencia. Tudo agora era para Santiago e aquele homem que passou a morar com o velho senhor.
Os dias se passaram e os dois viviam juntos naquela casa enorme. Ali havia lenha, leite, carne, pão e segurança para aquele homem. O homem, ainda que receoso, estava vivendo dias de grande alegria e Santiago estava feliz por partilhar tudo o que tinha com aquele homem. Santiago não mediu esforços para agradar e servir aquele rapaz. Era uma verdadeira relação como de pai para filho.
De repente, outra noite, Santiago estava dormindo e acordou com o barulho novamente. Ergueu-se, colocou um casaco, foi até a janela para ver quem desta vez estava no lixo e, para sua surpresa, quem estava lá era aquele homem. Ele estava mais uma vez procurando comida no lixo, no frio, com um olhar abandonado e desprezado.
Aquilo feriu o coração de Santiago. Uma dor no peito bateu naquele velho senhor. Era como se o vidro da janela a sua frente quebrasse. Eram cacos de vida no chão. Parte dele dizia que o tempo passou em vão, mas outra dizia que não. Ele desceu correndo as escadas e foi novamente àquele homem. Ali, no meio do lixo, lhe explicou que toda aquela enorme casa era dele também. Ele nunca mais precisaria buscar comida no lixo, nunca mais precisaria ir para as ruas encontrar abrigo ou alimento. Tudo o que pertencia a Santiago também pertencia àquele homem. O trabalho daquele homem era apenas o de esperar, pois o resto do trabalho pertencia a Santiago. Um dia os dois iriam para um local melhor e maior. Era uma questão de tempo e espera. Santiago até o fim da sua vida jamais abandonaria aquele homem. Ele não estava mais sozinho. Ele tinha alguém. Ele tinha amor de verdade.
Porém o amor daquele velho senhor ia além da compreensão da mente daquele homem. Para Santiago era luz na escuridão, mas para o homem, era dor ainda. Para Santiago era chave, mas para o homem, era prisão. O homem tomou sua decisão e foi embora, dizendo que não se sentia mais amado por Santiago. Ele preferiu seguir sua vida, sozinho. E Santiago, triste lhe disse: a hora que você precisar, esta casa e o meu coração sempre estarão abertos para você.
Era só pra ser diversão? Era para ser fantasia? Era apenas uma miragem? Não. Era real. Tudo era real. Tudo era mais que real – era a alegria de um velho senhor de servir um amigo. Foram anos de convivência e história. Mas aquele homem voltou para o lixo. Que história é essa? Esta é a minha história! Esta é a sua história!
Esta história tão estranha e sem um final feliz eu ouvi numa ministração durante um retiro da igreja quando eu tinha nove anos de idade. Nunca a esqueci. É uma dessas histórias que se ouve e que você guarda para a vida inteira. Nela o velho senhor Santiago representa Deus e aquele homem, sou eu e você. A palavra de Deus nos diz que fomos resgatados do império das trevas para a Luz: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (I Pedro 2:9).
Para cada um nós o Senhor Deus nos fez herdeiros do Seu reino e somos participantes da Sua majestosa glória. O Reino de Deus não é formado por comida ou bebida (Romanos 14.17), mas por muitas vidas – as nossas vidas. Enquanto estivermos reunidos em Nome do Senhor e trabalhando em sua casa, então estaremos servindo ao Seu reino.
Mas muitas vezes sentimos saudades do frio da rua como aquele homem teve e vamos ao lixo buscar alimento, enquanto que em Sua casa há banquete abundante. Algumas vezes preferimos o pecado e nos sujamos com poeira da rua, com a imundícia do mundo e o nosso Pai nos resgata e nos leva novamente para a sua casa.
O que, porém, muitos ainda não conseguem entender que a casa é a Igreja de Deus e que o Reino de Deus é formado por igrejas (vidas) como eu e você. Alguns cansam de “ficar em casa” e preferem voltar ao lixo, para se “desprenderem” e sentirem “livres”. Mas esquecem de que a liberdade é um fardo que somente os sábios podem suportar – já dizia Myles Munroe. Pela causa “liberdade” vão às ruas em busca de uma nova casa, mas bem no fundo do peito sabem que o verdadeiro amor estava ali, junto com o “velho Santiago” – ou seja, com o Senhor Deus. Mas, ainda assim, como aquele homem, continuam afirmando para si mesmos que não foram amados o suficiente. Nada eram quando foram encontradas, mas por se acostumarem com a intimidade, com o vinho e com pão, tudo não passou de uma fase. Mas para o velho Santiago, era vida – vida movida em amor.
Não existe trecho de música tão mais reflexivo para esta história quanto a de “Feito pra acabar” de Marcelo Jeneci em que indaga “Quantas são as dores e alegrias de uma vida, jogadas na explosão de tantas vidas? Vezes tudo o que não cabe no querer? Vai saber, se olhando bem no rosto do impossível, o véu, o vento ou o alvo invisível, se desvenda o que nos une ainda assim? A gente é feito pra acabar… e isso nunca vai ter fim”.
Muitas de nossas vidas são vividas em prol de outras, e essas outras não reconhecem o nosso esforço, por mais que queiramos e venhamos tentar fazer com que compreendam que a vontade carnal busca a impossível felicidade no lixo, enquanto que o amor tudo suporta, tudo crê e tudo espera. Fomos feitos para amar sem saber se vai doer. Tudo um dia acaba, menos o amor (I Coríntios 13). Santiago amou aquele homem e lhe deu a sua casa. Da mesma maneira, Deus também te amou e te deu o Seu Reino. Que com esta história possamos entender: enquanto estamos em casa, que possamos sempre trabalhar e esperar o melhor que ainda está por vir, pois o nosso trabalho é descansar em Deus, o resto, todo o trabalho, pertence a Ele, somente a Ele. O Seu Reino a nós pertence. O lixo é para os néscios.
Pr. Israel Braglia
Igreja de Florianópolis – Proclamando a Verdade